Oito em cada dez evangélicos da cidade afirmam nunca ter escolhido um
candidato sugerido pelo cabeça da igreja, e 90% respondeu que tampouco se
sentiram pressionados a fazê-lo
A mistura entre púlpito e
palanque pode até fazer barulho, mas não é vista com bons olhos pela maioria
dos evangélicos paulistanos. São fiéis que não apreciam pitacos políticos de
pastores e não gostam que eles indiquem em quem votar na eleição, mostra pesquisa
Datafolha feita entre 24 e 28 de junho com 613 moradores da capital paulista
que professam essa fé.
O levantamento tem margem de
erro de quatro pontos percentuais e foi formulado com colaboração dos
antropólogos Juliano Spyer, colunista da Folha, e Rodrigo Toniol, a socióloga
Christina Vital e o cientista político Vinicius do Valle, todos estudiosos da
área.
Para 56%, melhor seria se o líder da
igreja não apoiasse um candidato durante o período eleitoral. Indicar
diretamente quem o fiel deve eleger, então, nem pensar, segundo 70%. Fração
ainda maior (76%) diz ser contra uma recomendação pastoral para não votar em
alguém.
Oito em cada dez evangélicos da cidade afirmam nunca ter
escolhido um candidato sugerido pelo cabeça da igreja, e 90% respondeu que
tampouco se sentiram pressionados a fazê-lo.
A identidade religiosa de um aspirante a cargo eletivo nem
sempre é bem-vinda. A pesquisa revela que 11% dizem confiar muito mais, e 20%
um pouco mais, se o político em questão também for evangélico, enquanto a
crença faz com que 13% confiem nele um pouco menos, e 14%, muito menos. Ser um
par de fé não faz diferença para 37%.
A liderança, aliás, não deve falar no
culto sobre assuntos que aparecem no ciclo eleitoral, apontam 76%.
Não que cenas assim sejam raras nos templos. O pleito de 2022 é
farto em exemplos. O ruído político nos círculos cristãos provocou o expurgo de
pastores que não se alinhavam com a cúpula da igreja, afastou fiéis desgostosos
com a contaminação eleitoral nas pregações e chegou a motivar episódios de
violência, como o fiel baleado em Goiânia após defender que a igreja é para
falar de Deus, não de política.
O alvo quase sempre foi o campo progressista, sobretudo a
predileção por Lula (PT) contra Jair Bolsonaro (PL). O bispo Renato Cardoso,
apontado como possível sucessor de Edir Macedo, seu sogro, à frente da Igreja
Universal do Reino de Deus, foi um que propagandeou a ideia de que cristão e
esquerda são um oxímoro. A Universal já endossou tanto Lula quanto a também
petista Dilma Rousseff no passado.
Pastores de grande porte vestiram a
camisa bolsonarista, por vezes literalmente –vários usaram peças da seleção
brasileira na eleição de 2022, símbolo por excelência do bolsonarismo.
O levantamento aferiu que 55% dos evangélicos discordam da
premissa de que política e valores religiosos devem andar juntos.
Só 30% dos crentes sondados pelo Datafolha citaram um nome
quando questionados qual o político que mais representa o segmento no Brasil.
Bolsonaro lidera as menções, com 10% da amostra total, seguido pelos deputados
Nikolas Ferreira (4%) e Marco Feliciano (3%). Todos são do PL.
O pastor Silas Malafaia, que nunca concorreu a um posto público,
e Lula pontuaram 1% cada um.
A presença de evangélicos em cargos
políticos é mais do que suficiente para 6%, na medida certa para 29% e
insuficiente para 26%. Já 33% acham que eles sequer deveriam ocupar esses
espaços de poder.
Para a eleição municipal que se aproxima, 87% julgam essencial
que o postulante à cadeira de prefeito acredite em Deus. O grupo racha sobre a
relevância desse candidato ter a mesma fé: 53% acham nada importante que isso
ocorra, e 50%, um pouco ou muito importante.
Nenhum nome competitivo é evangélico. Pablo Marçal (PRTB) por
vezes é tomado por evangélico, mas ele já declarou que prefere apenas o rótulo
de cristão, e que para ele "cristianismo não é religião, é
lifestyle".
O respaldo do pastor mais atrapalha do que ajuda. Metade dos
evangélicos afirma que algo assim faria com que não optasse por aquele político
de jeito nenhum, e só 14% diz que aí, sim, é que votaria nele com certeza. Para
um terço, o apoio do líder religioso talvez mereça crédito.
A unção de Lula ou Bolsonaro a um candidato também pesa mais
contra do que a favor: 60% rejeitam alguém chancelado pelo atual presidente,
enquanto 54% descartam a sugestão bolsonarista.
No segundo turno de 2022, 38% preferiram o presidenciável do PL,
e 30%, o petista. Bem mais evangélicos, 17%, disseram ter ouvido um pastor
recomendar voto em Bolsonaro. A orientação pró-Lula foi de 1%.
O campo é mais arrebatado pelo conservadorismo. A fatia de fiéis
que se enxergam na direita/centro-direita é três vezes maior do que os 15% na
esquerda/centro-esquerda. A porção que coube ao centro foi de 11%.
Para o cientista político Vinicius do
Valle, a rejeição à influência pastoral na hora de votar diz muito sobre o
eleitorado evangélico.
Não que nomes defendidos no púlpito estejam fadados a fracassar
nas urnas, vide boas votações que alçaram ao Legislativo políticos que
inclusive carregam o nome da igreja na alcunha eleitoral –como Alex Madureira
(PL), deputado estadual, e Cezinha de Madureira (PSD), deputado federal, ambos
eleitos com campanha intensa no Ministério Madureira da Assembleia de Deus.
A questão é como a interferência eleitoral se apresenta. "O
crente não gosta de se ver num rebanho, de ser ordenado. Isso leva a conflitos
na igreja, faz com que aumente o número de desigrejados ou de fiéis que
migraram de igrejas", diz Valle, diretor do Observatório Evangélico.
"Enfim, as pessoas não gostam de dizer que alguém está falando em quem
elas devam votar, né? E tem a impressão que a política é uma coisa meio
suja."
Para se adaptar, o líder também reformata seu modus operandi.
"A pregação política tem que ser feita de forma mais sutil. E daí ela tem
uma aceitação maior. É meio que rechaçado se o pastor vai, 'tem que votar no
fulano'. Para contornar isso, começa a relacionar política e religião.
Principalmente a partir de 2022, tivemos inovações pastorais nesse
sentido."
Assim age a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro quando diz que
cristãos devem ocupar a política antes que o mal o faça, como ela pregou em ato
em desagravo a seu marido na avenida Paulista. Ou ao falar em línguas estranhas
e pular "como se fosse o Espírito Santo que estivesse falando para Jesus
governar o Brasil", numa típica linguagem pentecostal.
"Isso não é pedir voto para
um candidato específico, mas todo mundo sabe o que quer dizer", diz Valle.
"As igrejas estão aprendendo a fazer o jogo político, fazendo com que essa
atuação passe despercebida."
POR
FOLHAPRESS