Desejo de construir uma estátua no Corcovado já era defendida pelos primeiros portugueses que chegaram à cidade. No entanto, concretização da imagem demorou muitos anos até se tornar realidade.
Pináculo da Tentação. Princesa Isabel. Paris. São Gonçalo. Mãos de mulher.
Parecem elementos aleatórios, mas todos passam pela história da construção da estátua mais representativa do Brasil: o Cristo Redentor, cuja inauguração completa 90 anos na próxima terça-feira (12).
A história da construção da estátua e da associação da fé cristã ao Corcovado remontam à chegada dos primeiros portugueses ao território que posteriormente seria ocupado pela cidade do Rio de Janeiro.
É a saga de persistência de uma ideia, abraçada e abandonada ao longo de décadas até se transformar em realidade concreta no topo de um dos principais marcos geológicos cariocas.
Pináculo da Tentação
Mantendo uma tradição histórica de ter um monumento religioso em um ponto elevado das cidades, desde os primeiros povoamentos o Corcovado sempre foi cobiçado pelos católicos como local ideal para a construção de uma estátua religiosa.
"Há uma tradição católica, nascida na idade medieval, que busca sempre a construção de um marco da igreja em um ponto mais alto da cidade. É uma forma de fazer com que todos que moram no local vejam que o catolicismo está presente ali. Com o Rio, não foi diferente", explica o historiador Paulo Reis, especialista na história do Rio de Janeiro, com passagens pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Instituto Pereira Passos e integrante do Instituto de Ciência, Tecnologia e Inovação de Maricá.
Ainda no século 16, os primeiros portugueses chamaram a montanha de 710 metros de altura de Pináculo da Tentação, uma referência à montanha onde se deram as cenas de tentação sofridas por Jesus Cristo nas mãos do demônio no Evangelho de Mateus, capítulo 4, versículo 8.
Já no século 18, o cume passa ser chamado de Corcovado. Ninguém tem muita certeza sobre os motivos do batismo, mas, para a escolha do nome da montanha, estudiosos apontam duas possibilidades: a primeira é a semelhança do acidente geográfico com a corcova de um camelo. Outra teoria afirma que o termo pode ser uma adaptação da pergunta em latim "Cor quo vadis" – "Coração, para onde vou?".
Desde tempos muito antigos, os índios que habitavam o território carioca já escalavam o Corcovado. No entanto, a primeira expedição oficial à montanha é liderada pelo imperador Dom Pedro I em 1824.
A empreitada, que resultou na instalação de uma "estação telegráfica" no topo, com o auxílio de bandeiras, foi registrada em texto e imagens pelo pintor francês Jean-Baptiste Debret. A partir daí, o local passa a ganhar maior importância na vida da cidade.
Trinta e cinco anos depois, em 1859, ao ver o Corcovado, o padre francês lazarista Pierre-Marie Boss defende a construção de uma imagem de Cristo no local.
No entanto, mesmo com a construção da estrada de ferro do Cosme Velho, que facilitava a chegada de visitantes ao topo da montanha, a ideia seria esquecida nas três décadas seguintes.
Isabel entra na história
O Chapéu do Sol - construído por ordens de Dom Pedro II, o mirante ocupava o topo do Corcovado antes da construção do Cristo Redentor. — Foto: Reprodução/Internet
O assunto voltaria à tona apenas em 1888, quando no alto do Corcovado já havia sido construído o mirante Chapéu do Sol, erguido por ordens do então imperador Dom Pedro II e, àquela altura, um dos locais recorrentes de passeio para a elite carioca.
Desejando homenagear a princesa Isabel pela recém-assinada Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil, um grupo de frequentadores da corte sugeriu a construção de uma estátua dedicada à nobre na parte mais elevada da montanha. A imagem se chamaria “Isabel redentora”.
A princesa agradeceu a intenção, mas rejeitou a homenagem.
Princesa Isabel recusou a sugestão de construir uma imagem em sua homenagem no alto do Corcovado. Ela sugeriu que uma estátua do Cristo deveria ocupar o local. — Foto: Wikimedia Commons
“Para Isabel, Cristo era o único verdadeiro redentor dos homens. Por isso, ela ordenou o início dos estudos para a construção de uma imagem do Sagrado Coração de Jesus no Corcovado. Porém, com a Proclamação da República no ano seguinte, e a consequente separação oficial entre Estado e igreja, a ideia foi abandonada mais uma vez”, afirma o historiador.
Apenas em 1921, às portas do centenário da Independência, a estátua do Cristo Redentor começou a abandonar o plano das ideias para se tornar realidade.
Sob a liderança do coronel Pedro Carolino Pinto e da escritora Laurita Lacerda, o grupo conhecido como Círculo Católico escolhe, para modelo do futuro monumento, a imagem concebida pelo engenheiro carioca Heitor da Silva Costa: Cristo sobre um pedestal, segurando uma cruz cristã com a mão esquerda e o globo terrestre com a direita.
O assunto voltaria à tona apenas em 1888, quando no alto do Corcovado já havia sido construído o mirante Chapéu do Sol, erguido por ordens do então imperador Dom Pedro II e, àquela altura, um dos locais recorrentes de passeio para a elite carioca.
Desejando homenagear a princesa Isabel pela recém-assinada Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil, um grupo de frequentadores da corte sugeriu a construção de uma estátua dedicada à nobre na parte mais elevada da montanha. A imagem se chamaria “Isabel redentora”.
A princesa agradeceu a intenção, mas rejeitou a homenagem.
Princesa Isabel recusou a sugestão de construir uma imagem em sua homenagem no alto do Corcovado. Ela sugeriu que uma estátua do Cristo deveria ocupar o local. — Foto: Wikimedia Commons
“Para Isabel, Cristo era o único verdadeiro redentor dos homens. Por isso, ela ordenou o início dos estudos para a construção de uma imagem do Sagrado Coração de Jesus no Corcovado. Porém, com a Proclamação da República no ano seguinte, e a consequente separação oficial entre Estado e igreja, a ideia foi abandonada mais uma vez”, afirma o historiador.
Apenas em 1921, às portas do centenário da Independência, a estátua do Cristo Redentor começou a abandonar o plano das ideias para se tornar realidade.
Sob a liderança do coronel Pedro Carolino Pinto e da escritora Laurita Lacerda, o grupo conhecido como Círculo Católico escolhe, para modelo do futuro monumento, a imagem concebida pelo engenheiro carioca Heitor da Silva Costa: Cristo sobre um pedestal, segurando uma cruz cristã com a mão esquerda e o globo terrestre com a direita.
O projeto original de Heitor da Silva Costa previa um Cristo com um globo terrestre na mão direita e uma cruz na esquerda. — Foto: Reprodução/Internet
Logo em seguida, o grupo apresenta um abaixo-assinado de 22 mil mulheres ao então presidente Epitácio Pessoa pedindo a liberação para a construção da estátua, que, por fim, acaba concedida.
Em 1923, Dom Sebastião Leme, então arcebispo do Rio de Janeiro, inicia uma campanha de arrecadação para reunir os fundos necessários à obra. Naquela mesmo ano, porém, a Escola Nacional de Belas Artes faz duras críticas ao projeto de Heitor da Silva Costa.
Além disso, com a cultura de futebol já consolidada no Rio de Janeiro, muitas pessoas não conseguiam enxergar um globo, mas, sim, uma bola nas mãos do Redentor. A imagem ficou conhecida como "Cristo da bola".
Diante disso, após refletir, e contando com a ajuda do pintor Carlos Oswald, Heitor decide que, para ser visto de mais longe, o Cristo terá o tronco ereto e os braços abertos.
Para isso, ele também se inspirou em uma antena com hastes cruzadas em forma de cruz que ficava no Corcovado e podia ser vista da casa de seus pais, em Botafogo.
Dessa forma, quem olhasse a estátua de perto, veria a figura de Cristo. Já o observador distante perceberia uma cruz cristã.
Mãos: inspiração feminina
Por Carlos Brito, g1 Rio