“É difícil no início? É. Mas, depois a
gente vê que não é impossível e eu amo ser pai. Se
eu não pudesse ter filhos biológicos, eu adotaria, porque o amor é o mesmo.
Amor é amor. A gente só sente e pronto. Não tem como comparar e medir”.
São com essas as palavras que o
enfermeiro Gracione da Silva Santos, de 42 anos, descreve a paixão por ser pai.
Há pouco mais de um ano, ele assumiu a missão de cuidar sozinho dos seis filhos
após perder a esposa Almiza Cristina Prado,
que morreu aos 37 anos depois de contrair o coronavírus, em julho de 2020.
À época, um mês antes de morrer, Almiza,
já infectada com o vírus, deu à luz a Valentina em um parto de emergência no Hospital
Geral de Roraima (HGR), em Boa Vista. A bebê nasceu prematura e
teve que ser levada para a UTI neonatal da Maternidade, mas ganhou alta logo depois.
Hoje, com um ano de idade, a caçula
divide a atenção do pai com os irmãos Thales, de 23 anos, filho do primeiro
casamento de Gracione, além de Ayla, 15, Pedro, 12, Abraão, 8, e Gael, 3,
filhos do enfermeiro com Almiza.
Apesar da perda e mudança na rotina em
ter que cuidar dos seis filhos sozinho, Gracione celebra o Dia dos Pais neste
domingo (8) certo de que o sonho da juventude se transformou numa missão:
"ser pai é amar sem medidas".
"Eu acho que Deus dá um dom para o
homem que é ser pai, e esse dom é maravilhoso. A gente não pode desistir com as
dificuldades. Elas estão aí para fazer a gente amadurecer. Têm coisas que só a
gente passando para ver".
A morte da esposa, no entanto, não foi a
única perda enfrentada por Gracione em menos de um ano. Outras três pessoas da
família, que ele considerava cruciais para seguir em frente, também partiram:
seu pai, a avó dele e sua mãe.
“Nesse último ano, minha vida mudou
muito. Depois que minha mulher faleceu, simplesmente depois, meu pai faleceu,
um mês depois foi minha avó materna e, a oito dias de completar um ano da perda
da minha esposa, minha mãe faleceu. Então, perdi quatro pessoas cruciais na
minha vida em menos de um ano”, conta.
Gracione e Almiza estavam juntos havia 15 anos - seis desses de casamento "no papel". “Aqui em casa, sempre fomos minha esposa e eu para tudo. Se eu não estava, ela estava. Um complementava o outro. Sem ela, foi bem complicado no início e ainda é complicado. Mas, tenho uma irmã que me ajuda muito com a Valentina.”
A pandemia da Covid alterou a rotina na
casa de Gracione, principalmente com as aulas online dos três filhos mais
velhos. Antes de conversar com o G1, ele conta que até às
10h da manhã já havia lavado roupa, estendido, feito a comida e alimentado os
caçulas Valentina e Gael, dado banho nos dois, fora outras tarefas domésticas,
como varrer e passar pano na casa.
Para ele, a realização dessas tarefas é
cansativa, mas ele resolve. O desafio maior para ele, no entanto, é educar o
filhos nos dias de hoje. Isso, ele considera "mais trabalhoso".
“Converso muito com os meninos. Falo
para eles que sou pai, mas sou amigo deles, acima de tudo. Sempre converso com
eles e explico os benefícios que tem a Internet e os malefícios. E eles são
muito bons. São muito companheiros. Sabem das dificuldades que eu tenho, porque
eles são muitos, para eu poder dar atenção, para fazer as coisas”.
Após a morte de Almiza, Gracione pediu
afastamento do trabalho e não recebeu nesse período. Depois, disso, se viu sem
dinheiro e com contas a pagar.
"Foi
extremamente difícil. A gente tinha comprado muitas coisas, porque estámos com
muitos planos. A perda, já foi difícil. Quem 'mexia' com a parte financeira,
era a minha mulher. Era ela quem resolvia tudo. Aí fiquei sem nada. Sem a
mulher, com um monte de dívidas. Fiquei sem o meu salário e sem o dela”.
Além de técnica em enfermagem, Almiza era
esteticista. Porém, na dificuldade, Gracione diz que encontrou a ajuda de
pessoas que nem os conheciam.
“A gente ficou no vermelho. Mas, ainda
bem que recebemos muita ajuda. Foram amigos, familiares e pessoas que nem nos
conheciam e ajudaram a gente. Uma prima da minha esposa, quando a Valentina
estava na UTI, me perguntou se ela poderia fazer uma campanha na igreja dela,
para doações de leite e fraldas, e eu concordei. Só que tomou uma proporção
muito grande. Muita gente doou fralda e leite. A Valentina tomava um leite
específico, que é caro”.
O enfermeiro voltou a trabalhar, mas
pediu um novo afastamento quando a mãe morreu. Atualmente, ele faz
acompanhamento psicológico.
“Sinto muita falta da minha mulher. A
gente se completava. Ela era a noite e eu o dia. As pessoas diziam que a gente
era parecido, mas não. A gente era diferente e, essa diferença, era que fazia o
relacionamento ser tão duradouro e dar tão certo. Todo relacionamento tem seus
altos e baixos, mas com ela, era muito bom”, frisou.
Gracione contou, ainda, que dois meses
antes da esposa falecer, ela conversava com a família sobre a morte.
“Parecia que ela sentia, sabe. Ela
explicava, dizendo que ninguém virava pedra, que ninguém nasceu para durar a
vida toda, que uma hora a gente vai partir e, quem partiu, vai e, quem ficou,
tem que continuar a vida”.
Com a partida da mulher, Gracione teve
que tomar as responsabilidades da casa sozinho e agora, vive a maior parte do
tempo para os filhos.
“Agora, me cobro muito mais. A gente
acaba se anulando. Você deixa de fazer muita coisa. Eu não faço quase mais nada
em prol de mim, é mais por causa deles. Mas, uma coisa que eu gosto na vida é
ser pai. Sempre quis ser pai”.
Por Suzanne Oliveira, G1 RR —
Boa Vista
08/08/2021